Empurrou a pesada porta de carvalho que rangeu sobre os gonzos. Saiu para o jardim. O dia ainda não tinha nascido. Desceu os degraus e sentiu a terra macia debaixo dos pés. Uma leve brisa gelada arrastava-se pelo chão e empurrava as folhas secas que caíam das árvores. Naquele lusco-fusco, o arvoredo, de ramos despidos pelo Outono, parecia gigantes de braços erguidos e dedos esguios.
Lentamente, uma bruma começou a adensar-se ao seu redor. Com passos lentos e pesados afastou-se da casa. Era chegada a hora. Sabia-o. Apenas o sabia. Era algo que lhe vinha de dentro. Uma certeza inabalável, e, no entanto, nada de concreto justificava aquela certeza. No jardim, alguns tímidos tufos de erva teimavam em pincelar de verde o castanho reinante. No entanto, àquela luz, tudo era cinzento. A bruma, até ali limitada a cobrir o chão, avolumava-se, preenchendo, silenciosamente, todos o jardim. Já não conseguia vislumbrar a casa. Não deixara nenhuma luz acesa. Nada penetrava a densa bruma que o envolvia, nem mesmo a Lua em quarto crescente que, até àquela hora, lhe permitira ver as árvores e os muros da propriedade. Agora cercava-o apenas o nada. Não um nada absoluto, mas um nada visível. Continuou a avançar. Caminhava sem rumo. Não sabia se a direito, se em círculos. Já nem o chão era visível. Apenas sentia a maciez do que deduzia ser terra e erva.
A bruma agitou-se a seu lado. Pelo canto do olho, fugazmente, pode ver um vulto negro. Como prometido, anos antes, eles chegavam. Era a ele que eles queriam, e nada os impediria de o levar.
Lutara, durante anos, contra aquele desfecho. Mas a sua inevitabilidade quebrara-o. Por muito que se afastasse, por muito que procurasse esquecer, acabava sempre por ir dar àquela casa. Era uma existência circular. Quanto mais se afastava, mais se aproximava. Todos os Outonos evitara a bruma. Todos os Outonos se afastara. Mas os sussurros a meio da noite eram cada vez mais intensos. Cada vez maior era a dor que o consumia de dentro para fora. Noites sem dormir, massacrado pelas vozes, e dias ensombrados por vultos nas sombras, tinham-lhe quebrado o espírito e a vontade de lutar.
Regressara definitivamente. Não voltaria a fugir.
A bruma agitou-se novamente. O vulto permaneceu no seu campo de visão por um segundo, antes de se perder no nevoeiro. Parou a marcha. Não sabia onde estava, mas sabia que estava onde devia estar. Os vultos circulavam à sua volta. A bruma, de tão densa que era, formava cornucópias que se desvaneciam. Criaturas esqueléticas, negras, de membros longos e estreitos, como esqueletos apenas cobertos de pele, rondavam-no, cada vez mais perto.
Deixou-se cair de joelhos no solo. Baixou a cabeça e fechou os olhos. O destino alcançava-o, finalmente.
Momentos depois, o sol começou a lamber a terra com a sua luz. Lentamente, conforme este se elevava no firmamento, a bruma foi dissipando. Silenciosamente como chegou, a bruma retirou-se, revelando uma casa vazia, de porta aberta, onde habitavam apenas almas do passado.
Sessão de 04/12/2024 d’A Velha Escrita com o tema: “As brumas de Outono”.
Sem comentários:
Enviar um comentário