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A mostrar mensagens de setembro, 2023

ROUPA LAVADA E FIM DE TARDE

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"A vida é dura, mas é boa". As palavras da avó enchiam-lhe a mente. Perdera a conta às vezes que a ouvira dizer esta curta frase. De pequena, apenas sorria quando o rosto enrugado e envelhecido da avó estava frente ao seu e lhe dizia, de quando em vez, "a vida, minha pequena, é dura, mas é boa". Desses tempos, o que recordava, o que lhe ficara impresso na mente como uma fotografia, era o brilho dos olhos dela, um sorriso tão verdadeiro, tão cheio de ternura e genuína felicidade, como ela nunca vira em mais ninguém. Na casa da avó, naquela aldeia perdida no monte, conhecera apenas a alegria de correr livremente, de ficar na varanda a ver o pôr-do-sol, de colher as flores silvestres e de, com elas, fazer coroas para brincar às princesas.   Estava de volta, depois de tantos anos, depois da escola, da universidade, dos amores e desamores, do trabalho, dos filhos, dos dias que passam a correr. Reencontrava o sossego, a vida que passa devagar, o cheiro do campo e do monte

O MURO

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O muro estendia-se até onde alcançava a vista, tanto em altura como em comprimento. Dizia-se que não tinha fim, que se estendia pela terra, sobre vales e montanhas, a toda a extensão do mundo. O seu topo era inalcançável, constava-se, e que roçava o topo do céu. Do outro lado? Do outro lado tinha o nada. Pelo menos era este o conhecimento que passava de pais para filhos. Todos sabiam que do outro lado não tinha nada, sabiam porque lhes tinha sido dito pelos seus pais e a eles pelos pais deles, e assim sucessivamente desde que havia memória. Mas nem todos aceitavam plenamente o muro. Havia muitos que o questionavam. O que fazia ali? Quem o construíra? Porquê? Perguntas às quais a resposta sempre fora “sempre aí esteve e sempre estará, o muro é o nada e nada é o muro”. Perguntas que acabavam por se apagar em bocas que envelheciam e nascer em bocas jovens, e que, com o passar do tempo, acabavam por se apagar, num eterno ciclo de perguntas sem resposta. O muro era feito de pedra. Enormes

Texto da sessão de 13/09/2023 da "A Velha Escrita"

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Mais um pôr do sol de Setembro, mais uma tarde em que a fresca brisa anuncia o fim do Verão e a chegada do Outono. As ondas rebentavam na areia da praia, um som ritmado que embalava o silencio que o rodeava. A praia estava vazia, já ninguém se alongava nas horas, o dia era mais curto e a temperatura já não convidava a ficar mais um pouco, a ver o sol desaparecer lentamente atrás do horizonte. Naquele dia em particular, já nem isso tinha. Grandes nuvens brancas, como novelos de algodão tombados, cobriam a linha do fim do mundo, como ele chamava ao horizonte, e tapavam o fogo laranja com que o sol brindava os fins de dia de Verão.  O Verão acabava, mas, como os dois anteriores, acabava inacabado, acabava sem o fim que outrora tiveram os Verões, o fim infindável que parecia que nunca seria o fim definitivo, e que agora apenas era o fim ausente, o fim que não era fim destes Verões incompletos.  Agora despedia-se do Verão a sós, sentado na toalha para dois, apenas com um par de chi