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A ALEG(O)RIA DO CLIMA

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Certo dia Espécie Humana decidiu experimentar a sua nova snowboard. O tempo estava agradável, o ar fresco e limpo, e os montes cheios de neve. Para onde olhasse tinha lindas colinas onde podia deslizar alegremente e sem preocupações. Assim, escolheu uma montanha generosa, coberta de neve branca, à qual escalou, com alguma dificuldade, até atingir o seu topo. Tudo estava a favor da sua vontade. Para além do céu limpo e do ar fresco, soprava apenas uma leve brisa que não descia do ponto de agradável. Pegou na sua snowboard, escolheu o lado mais solarengo da montanha, que, por sinal, parecia o mais agradável, e começou a deslizar.   A princípio tudo corria bem, a inclinação não era muita e a velocidade parecia constante. Espécie Humana ficou muito contente com o seu progresso, a vida corria-lhe bem, a descida era confortável e cada vez mais agradável. De quando em vez tinha um ligeiro solavanco, quando se cruzava com alguma planta, ou mesmo animal, que se encontrava envolvido na neve, mas

Texto da sessão de 11/10/2023 da "A Velha Escrita"

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Mais uma manhã, mais uma semana que começava. O tempo estava propício para uma caminhada pela cidade, o observatório não era longe e o exercício fazia-lhe falta. Estava animado, tinha reunido toda a sua coragem durante o fim de semana e, por estes dias, iria conseguir terminar aquela conversa, aquela que não seguira o rumo que ele esperava. A sua incapacidade de ultrapassar o receio da rejeição ultrapassava a sua capacidade para seguir em frente com o seu intento. Mas não era a hora nem o momento de pensar nesse assunto. De passada larga, galgou a via pedonal que acompanhava as paragens do hoverbus. Os edifícios gigantes que o circundavam criavam um mundo de luz e sombra que lhe fazia sempre lembrar a pitoresca luta que decorria dentro dele. Sentia-se um idiota, certamente os receios que tinha eram infundados, apenas reflexos da timidez que sempre o acompanhou. Por todo o lado pairavam anúncios holográficos da nova grande descoberta que viera agora a publico. Devido ao seu trabalho, a

ROUPA LAVADA E FIM DE TARDE

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"A vida é dura, mas é boa". As palavras da avó enchiam-lhe a mente. Perdera a conta às vezes que a ouvira dizer esta curta frase. De pequena, apenas sorria quando o rosto enrugado e envelhecido da avó estava frente ao seu e lhe dizia, de quando em vez, "a vida, minha pequena, é dura, mas é boa". Desses tempos, o que recordava, o que lhe ficara impresso na mente como uma fotografia, era o brilho dos olhos dela, um sorriso tão verdadeiro, tão cheio de ternura e genuína felicidade, como ela nunca vira em mais ninguém. Na casa da avó, naquela aldeia perdida no monte, conhecera apenas a alegria de correr livremente, de ficar na varanda a ver o pôr-do-sol, de colher as flores silvestres e de, com elas, fazer coroas para brincar às princesas.   Estava de volta, depois de tantos anos, depois da escola, da universidade, dos amores e desamores, do trabalho, dos filhos, dos dias que passam a correr. Reencontrava o sossego, a vida que passa devagar, o cheiro do campo e do monte

O MURO

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O muro estendia-se até onde alcançava a vista, tanto em altura como em comprimento. Dizia-se que não tinha fim, que se estendia pela terra, sobre vales e montanhas, a toda a extensão do mundo. O seu topo era inalcançável, constava-se, e que roçava o topo do céu. Do outro lado? Do outro lado tinha o nada. Pelo menos era este o conhecimento que passava de pais para filhos. Todos sabiam que do outro lado não tinha nada, sabiam porque lhes tinha sido dito pelos seus pais e a eles pelos pais deles, e assim sucessivamente desde que havia memória. Mas nem todos aceitavam plenamente o muro. Havia muitos que o questionavam. O que fazia ali? Quem o construíra? Porquê? Perguntas às quais a resposta sempre fora “sempre aí esteve e sempre estará, o muro é o nada e nada é o muro”. Perguntas que acabavam por se apagar em bocas que envelheciam e nascer em bocas jovens, e que, com o passar do tempo, acabavam por se apagar, num eterno ciclo de perguntas sem resposta. O muro era feito de pedra. Enormes

Texto da sessão de 13/09/2023 da "A Velha Escrita"

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Mais um pôr do sol de Setembro, mais uma tarde em que a fresca brisa anuncia o fim do Verão e a chegada do Outono. As ondas rebentavam na areia da praia, um som ritmado que embalava o silencio que o rodeava. A praia estava vazia, já ninguém se alongava nas horas, o dia era mais curto e a temperatura já não convidava a ficar mais um pouco, a ver o sol desaparecer lentamente atrás do horizonte. Naquele dia em particular, já nem isso tinha. Grandes nuvens brancas, como novelos de algodão tombados, cobriam a linha do fim do mundo, como ele chamava ao horizonte, e tapavam o fogo laranja com que o sol brindava os fins de dia de Verão.  O Verão acabava, mas, como os dois anteriores, acabava inacabado, acabava sem o fim que outrora tiveram os Verões, o fim infindável que parecia que nunca seria o fim definitivo, e que agora apenas era o fim ausente, o fim que não era fim destes Verões incompletos.  Agora despedia-se do Verão a sós, sentado na toalha para dois, apenas com um par de chi