Os passos ecoavam pelo corredor. Tacões duros contra traves de madeira. Um som seco, ritmado, repetitivo. A porta separava-o do corredor. Estava fechada. Sempre a conhecera fechada. Se sempre estivera fechada, não sabia. Ele não estivera ali sempre, mas estivera desde que lá chegara. Quando é que isso aconteceu, não se recordava. Teria alguma vez estado noutro sítio?
Os passos voltavam-se a ouvir. O som envolvia-o num crescendo de pancadas. Umas mais pesadas que outras. Ouvia-os chegar, ouvia-os passar e ouvia-os a afastarem-se.
Entre aquelas quatro paredes, apenas rasgadas por uma porta, estava o seu mundo. O seu universo. A sua vida. Do outro lado estavam os outros. Os restantes. Estava tudo o que ele não sabia o que era. Estava o desconhecido. Estava tudo o que aquelas quatro paredes não eram.
Os passos regressaram. Por vezes, paravam junto à porta e, por vezes, ficavam em silêncio, por um momento, antes de se fazerem ouvir novamente. Afastaram-se. O padrão mantinha-se. Padrões eram uma coisa boa. Previsível, dentro de um limiar controlado de imprevisibilidade. Os padrões regiam o outro lado. Mantinham o desconhecido dentro de parâmetros aceitáveis.
Do seu lado nada era imprevisível. Nada, era, na verdade, o que o seu lado era. Entre as quatro paredes, apenas rasgadas por uma porta de madeira maciça, estava nada. Ele e nada. Quatro paredes sólidas de pedra. Uma porta. E nada mais. Nada, não. Segurança. Certeza. Previsibilidade. Ali não havia risco, não havia perigo, não havia ameaça. Ali havia apenas… nada…
Os passos fizeram-se ouvir. Rápidos e curtinhos. O som a subir em catadupa. Um metralhar de tacões. Dois pés em sincronia alternada perfeita. Param em frente à porta. Silêncio. Ele aguarda as pancadas ritmadas que anunciam a partida.
Ouve as pancadas ritmadas. Mas, desta vez, são na porta e não no chão. Alguém batia. Nunca tal acontecera. Os padrões rasgavam-se. A realidade alterava-se. O seu mundo passara a ser do conhecimento dos outros? Os dois mundos sempre se tinham mantido separados. O que mudara?
— Não queres sair? — A voz era doce e melódica. Convidava-o a responder. — Já aqui passei tantas vezes e tu nunca sais. Porque não sais?
Encolheu-se no canto, do outro lado do quarto. Nunca saíra. Nunca pensara em sair. Para quê sair? Porquê sair?
— Quero-te conhecer. — A voz envolvia-o como um perfume irresistível. — Porque não sais?
Levantou-se e aproximou-se da porta. Olhou em volta. Olhou para as quatro paredes e para a porta de madeira. Olhou para o vazio da vida. Seguro, sem risco, mas vazio. Previsível, controlado, mas, mesmo assim, vazio. Oco. Estéril. Morto.
— Sair? Porque não?