quarta-feira, 19 de novembro de 2025

Texto do desafio da sessão de 07/10/2025 d'A Velha Escrita, com o tema "Cair da Folha"

 

Anastácio aguardava ansiosamente. O banco de madeira em que o haviam sentado de confortável não tinha nada. Esperava num corredor comprido de um edifício antigo. O pé direito do espaço daria para construir um edifício de dois andares moderno. Ouvia o ranger de portas. Velhas dobradiças secas que se lamentavam dos anos de vida e de trabalho monótono. Os candeeiros vomitavam uma luz amarela que se refletia nas partículas de pó que pairavam a toda a volta. Pessoas atarefadas passavam por ele, carregadas de livros, papeis e dossiês. Ele levantava a mão, timidamente, mas, mesmo assim, continuava invisível para aquelas pessoas extremamente atarefadas que lhe pareciam querer adiantar a conversa por vários dias, para depois poderem trabalhar sem interrupções. A cadeira abanava com todo este trânsito. O soalho juntava-se ao coro de lamentos das dobradiças e oscilava a cada passo. 

Olhou para a esquerda. No fundo do corredor avançava, em passo rápido, uma rapariga. Não devia ter mais de 20 anos. Pela forma como se comportava, ainda deveria ser estagiária. Nas mãos carregava uma quantidade desmesurada de papeis. Tantos que ele só lhe via a cintura, as mãos e o topo da cabeça. A meio do corredor, com a deslocação de ar da passada, uma folha deslizou do meio do monte e esgueirou-se por baixo da porta do armário dos produtos de limpeza. Anastácio recordou-se logo da senhora mal-encarada que lhe ralhara para levantar os pés do chão. 

Se está no chão, vai para o lixo, está a ver? Dissera ela. Não quer que lhe deite os pés fora, pois não? 

Ele elevara os pés, segurando as pernas por baixo dos joelhos, e aguardara que ela passasse a esfregona. Mesmo depois de ela desaparecer, ainda aguentou naquela posição mais um bocado. Quando finalmente se convenceu de que ela não iria voltar, relaxou. 

A estagiária virou em direção à porta à esquerda dele, e entrou. Ele pode-lhe ver o rosto vermelho e os cabelos negros, lisos, colados ao rosto pelo suor que lhe escorria pela cabeça. 

Pouco depois foi chamado a entrar. Cumprimento para aqui, cumprimento para ali. 

— Vamos ao que interessa, que não tenho muito tempo disponível disse a doutora, batendo com as palmas das mãos no topo da pilha de papeis que tinha à frente. Então, o que o traz por cá? — Continuou ela. Anastácio elevou-se ligeiramente e abriu a boca. Ela levantou a mão com a palma virada para ele, petrificando-o. Manteve-se assim uns segundos e depois deixou-se cair. 

O senhor está em “maus lençóis”, me parece dizia ela. Anastácio só abanava a cabeça e apertava a boina que mantinha agarrada com as duas mãos. 

Papel para um lado, papel para o outro. A princípio a sua interlocutora estava descontraída, mas, com o passar do tempo, e o folhear de papeis, começou a ficar enervada. Os movimentos suaves deram lugar a movimentos bruscos. Continuou nessa dança até dar um murro na mesa. 

Ao que parece, afinal o seu caso não existe. Deve ter havido aqui algum engano. Ele olhou para ela, sem compreender muito bem o que ela lhe estava a dizer. Homem — retorquiu ela, em tom áspero, vá-se embora, que aqui não há nada contra si, afinal. 

Anastácio levantou-se, fez uma vénia, e começou a recuar. 

Vá, vá disse ela, enxotando-o com a mão. — Vá-se lá embora, que, ou me engano muito, ou acabou por se safar ao cair do pano. 

Foi mais ao cair da folha retorquiu Anastácio, com um sorriso, e fechou a porta. 

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