Texto da sessão de 10/01/2024 da "A Velha Escrita"

O meu amigo Joaquim é um despistado, sempre perdido em pensamentos, mas não deixa de ser bem disposto e boa companhia. Garantidamente, quando está por perto, as gargalhadas são uma constante.

No entanto, uma das características mais definidores do Joaquim é a sua capacidade de estar sempre atrasado, e de arranjar sempre as mais disparatadas desculpas para se justificar, não dando “o braço a torcer” e conseguindo sempre levar a sua avante.

Leva o atraso ao ponto de o tornar numa arte. Parece que, para ele, o atraso é quase uma obrigação, uma demanda do maior número de atrasos possíveis, como se procurasse colocar o seu nome no livro do homem da cerveja, o Guiness.

Mas o atraso do Joaquim não está limitado a questões cronológicas de horas marcadas, é muito mais do que isso, vai ao ponto de dias e mesmo meses de atraso. Lembro-me de o convidar para o meu casamento e de receber uma mensagem a perguntar onde era a cerimónia, estava eu a embarcar no avião para a lua-de-mel. Já não sei qual a foi a desculpa que deu, mas certamente que foi épica. Com outros foram outras histórias, caricatas como a minha, com certeza.

A mais recente, confesso, só comprova o brilhantismo do Joaquim de sair de uma enrascada com estilo. Este ano combinamos ter um Natal diferente. Decidimos recordar os tempos de infância, quando uns e outros, neste grupo de amigos, cantávamos os reis, como se dizia na minha terra.

Até foi o Marco que propôs, estávamos todos no café a deitar abaixo umas minis.

- Este ano cantamos as janeiras. – Disse ele. – Para recordar os velhos tempos e juntar uns trocos para doar a uma associação. Que me dizem?

Todos concordaram, mas o Marco, que conhece bem o Joaquim, não o deixou em claro e disse-lhe que não tinha desculpa para se atrasar.

- Sim, eu apareço para cantarmos isso que disseste. – Respondeu o Joaquim. Não sei se ele tomou aquilo como uma afronta ou um desafio, porque, como é óbvio, não apareceu uma única vez.

Eu até estava com vontade que ele fosse verdadeiro à sua essência, estava demasiado curioso com qual seria a desculpa desta vez. Confesso que não desiludiu, naquele dia 2 de fevereiro no café do Aníbal. Quando outros usariam uma doença na família, problemas no trabalho, sei lá, as desculpas da praxe que já todos conhecemos, o Joaquim entrou pela porta e exclamou em alto e bom som.

- Boa tarde! – Quando viu que tinha a atenção de todos, rematou.

- Então, não é para fazer o combinado? Bora cantar as fevereiras?

 

 

[Texto d' "A Velha Escrita" sob o tema "Bora cantar as fevereiras?"]

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