DESPEDIDA

- Já não me lembrava de te ver tão em paz. Quantos foram os anos do teu sofrimento, a lutar  contra esse cancro que te levou de mim? Perdi a conta. Agora olho para ti e vejo-te como que a dormir um sono sossegado, como fazias antes da doença, como não te via fazer há tanto tempo. Este caixão é a tua última cama, e está tão distante do nosso quarto, das nossas noites de amor, da nossa vida que parecia não ter fim e que acabou demasiado cedo.

 - Ele está num sítio bom, já não sofre, e está feliz.

- Olá, Diogo, há muito tempo que não te via.

- Olá, Diana. Há muito tempo, mesmo, mas tinha de cá vir para te ver.

- Fizeste bem. É sempre boa a companhia de uma cara amiga.

- Não te preocupes pelo Carlos, ele passou um mau bocado, mas agora está bem.

- Ó Diogo, tu sabes que eu não sou de religiões.

- Mas eu não te estou a falar de religião. A Natureza é assim.

- Eu sei que sempre tiveste inclinação para o sobrenatural, mas agora não me ajudas com essas conversas. O Carlos já não existe, apenas ficou a memória dele neste corpo vazio.

- Mas, Diana, o sobrenatural é apenas aquilo que a ciência anda não explicou. Acredita em mim, ele continua a existir, só que está noutro sítio.

- Diogo…

- Como podes negar o que te digo ser natural? Não falo de religião, ou coisa semelhante, nada disso, falo-te do que é a Natureza.

- A Natureza é nascer, viver e morrer.

- Não, Diana, a Natureza é nascer, viver e avançar. A ciência ainda não explica, mas o dia chegará que o vai fazer. Até lá acredita em mim, ele está bem. Sente a tua falta, mas já não suportava o sofrimento.

- Então estás-me a dizer que o vou voltar a ver?

- Provavelmente, quando chegar a tua vez de avançar.

- Não me convences, Diogo, mas vou acreditar em ti só porque me faz sentir melhor.

- Seja. O quero é que fiques bem.

- E fico… Agora fico, obrigada.

- Vou andando, então, não posso ficar mais tempo.

- Vejo-te no funeral?

- É pouco provável, mas vamos voltar a encontrar-nos.

- Adeus, Diogo.

- Adeus, Diana.

- Estás noutro nível, Carlos? O Diogo sempre teve estas ideias estranhas, mas hoje vou-me agarrar a elas. Sei que não é verdade, mas encontro conforto, mesmo assim.

- Olá, Diana.

- Olá, Margarida. Viste o Diogo?

- Qual Diogo?

- O Diogo Bragança. O que foi da nossa turma do secundário. Ele esteve aqui ainda agora.

- Deves estar a fazer confusão, o Diogo faleceu na semana passada. Não sabias?

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